“A ciência e a metafísica encontram-se, pois,
na intuição”
(Henri
Bergson)
Nessa primeira metade do século XXI temos mais poetas que
poesia, temos mais artistas que arte, duas forças atuaram: a cultura de massa e
as transgressões que os artistas buscaram, a cultura de massa deu status de artista para pessoas venais e
os transgressores foram artistas venais definindo o estado da arte. Outra força
já toma forma, onde se valoriza mais os predicados do ser que os predicados da
obra. Assim a arte parece se afastar de sua epistemologia, a arte se afasta e
permanece, pois o paradoxo a faz sorrir, não teme mais antíteses nem hipérboles.
O dualismo entre
objetivismo e subjetivismo é constante em nossa história literária, o
racionalismo clássico e o cristianismo medieval, a ciência e a metafísica. O
artista, sobretudo o poeta, capta os elementos e os amplia, criando oposições,
criando integrações, criando retornos a elementos enraizados, em grande parte,
na cultura ocidental. A escola simbolista, fins do séc. XIX e início do séc.XX,
injeta uma resposta, uma oposição ao espírito científico, uma vacina ao
positivo, materialista, mecânico ou determinista, com seus esquemas, presos a
casualidade e longe das essências, tal qual um doce que se torna amargo, porque
esqueceu que fora açúcar, em cárcere com suas resposta para a vida e não sobre
a vida.
A seguir, uma análise de um poema de Cruz e Sousa (1861-1898),
poeta que representa a escola simbolista, nosso maior simbolista, poeta que
soube conjugar elementos parnasianos em uma obra de obsessão, dor, revolta,
religiosidade, talvez um suspiro do barroco, um Gregório de Matos mais pudico,
com procedimento estilístico e tratamento de tema, que tornam, sem dúvida, um
dos melhores poetas simbolista do mundo. Segundo Sérgio Alves Peixoto:
Dentro
do Simbolismo brasileiro, Cruz e Sousa agigantou-se como uma espécie de
bandeirante místico que, em meio à famosa floresta de símbolos de Baudelaire,
procurou, desesperadamente, na aproximação com o espiritual e como o Absoluto,
as grandes verdades humanas e divinas (Peixoto 1999: 249).
O texto escolhido de Cruz e Sousa: Perante a Morte,
consta entre os últimos sonetos do autor, como o nome já sugere, trata-se de um
poema sobre o embate final, o embate que a vida adia. Segue o poema:
Perante a
Morte
Perante a
Morte empalidece e treme,
Treme
perante a Morte, empalidece.
Coroa-te de
lágrimas, esquece
O Mal cruel
que nos abismos geme.
Ah! Longe o
Inferno que flameja e freme,
Longe a
Paixão que só no horror floresce...
A alma
precisa de silêncio e prece,
Pois na
prece e silêncio nada teme.
Silêncio e
prece no fatal segredo,
Perante o
pasmo do sombrio medo
Da morte e
os seus aspectos reverentes...
Silêncio
para o desespero insano,
O furor
gigantesco e sobre-humano,
A dor sinistra de ranger os dentes.
Quanto à estrutura, temos um poema decassílabo com rimas
intercaladas, a forma é de soneto e as rimas estão dispostas em abba abba ccd
eed. (1) Lembremos que na estrutura lógica dos sonetos, nos quartetos temos a
apresentação do tema, no primeiro terceto a elevação do assunto, ou resumo, e
no final a conclusão, chave de ouro.
A preposição perante que inicia o poema indica uma relação
de lugar (em frente à), a Morte é personificada, elevada, em uma tomada da
consciência de sua existência, trazendo uma imersão para o “eu profundo”,
abrindo o espaço para uma realidade mórbida. Esse primeiro verso une-se ao
segundo, em uma insistência, uma referência a constante dor da condição humana,
que percebemos pelo quiasmo:
Perante a Morte empalidece e treme,
Treme
perante a Morte, empalidece.
Ou
Empalidece
e treme
Treme
e empalidece
Os próximos versos do quarteto continuam, criando uma
gradação no corpo: empalidece, treme, chora (lágrimas); no final o poeta sugere
o esquecimento, personifica o Mal, mas o revela a gemer nos abismo. O próximo
quarteto continua a idéia de distanciar (abismos geme) além disso, a união dos
dois quartetos cria uma gradação: Morte < Mal< Inferno< Paixão. O
primeiro verso do segundo quarteto também possui uma aliteração, que nos sugere
uma musicalidade, algo também típico da escola:
“Ah! longe
o InFERno que FLAmeja e FREme,”
A solução, ou dualismo, aparece
nos dois últimos versos do segundo quarteto, onde aparece o segundo quiasmo:
A alma precisa de silêncio e prece,
Pois na prece e silêncio nada teme.
Ou
Silêncio e prece
Prece e silêncio
Esse segundo quiasmo tende a
resolver o primeiro quiasmo: empalidece e treme – silêncio e prece. O primeiro
terceto retoma o termo silencia e prece, uma sugestão da trindade? Talvez? Nesse primeiro terceto inicia a elevação do
assunto (1) em que há um suporte religioso dado pela prece: silêncio e prece no
fatal segredo, ou seja, como enfrentar o “sombrio medo da morte”, como se comportar
“perante o pasmo”, termina esse primeiro terceto com uma reticência depois da
palavra reverente, aprofundando do eu - lírico para o eu do leitor, para assim
criar um estado de poesia no leitor.
No último terceto, percebemos que
ele abre apenas com a palavra silencia, houve a ausência da prece, aqui se
percebe que há dois estados, de um lado o religioso e de outro o não-religioso,
onde no religioso temos uma esperança, como sugere no primeiro terceto e no
segundo o desespero insano, comparemos:
1.º terceto: Silêncio e prece no
fatal segredo, (aspectos reverentes)
2.º terceto: Silêncio
para o desespero insano, (ranger de dentes)
A religião com seus símbolos (aspecto
reverente) trazendo conforto, sugerindo um segredo que possui uma linguagem
humana e a ausência da prece, trazendo uma dor sinistra, uma dor e uma revolta,
argumentos tão típicos nesse poeta brasileiro, tão esquecido e tão necessário
para que o número de poesia seja maios que o número de poetas.
Referências:
AMORA,
Antonio Soares: teoria da literatura
9.ª ed. São Paulo: Clássico Científico, 1971
BERGSON,
Henri: Introdução à Metafísica col. Os Pensadores vol XXXVIII São Paulo: Abril
Cultural, 1974.
BOSI, Alfredo: História Concisa da Literatura Brasileira
São Paulo: Cultrix, 1975
PEIXOTO,
Sérgio Alves. A consciência criadora na poesia brasileira: do Barroco ao
Simbolismo. São Paulo: Annablume, 1999.
SOUSA,
João da Cruz e: poesias completas, broqueis,
faróis, últimos sonetos Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.