sábado, 29 de agosto de 2020

Qual o Coletivo de Zumbis?

 

A tradução de jogos eletrônicos nem sempre é fácil, há o cuidado de ser preciso e não cair no estrangeirismo, além disso, podemos encontrar vários problemas relacionados ao léxico, um bom exemplo é o jogo zumbi tsunami onde o próprio título traz dois estrangeirismo, o primeiro (zumbi) é um africanismo  das línguas nigero-congolesas “Nzumbi” que significa duende, cadáver, já a palavra tsunami vem do japonês  onde {tsu-} porto e {-nami} onda. O que nos importa é a palavra zumbi, que entrou em nosso léxico e é bem explorada pela influência que exerce em filmes, seriados e jogos.

                O jogo zombie tsunami possui estágios ou desafios, em uma das traduções está o termo horda de zumbis, onde o coletivo de zumbi virou horda. Coletivo é o nome que damos a uma das divisões dos substantivos, ou seja, quando o substantivo se refere a uma coleção de seres da mesma espécie, os coletivos se dividem em específicos, aplicam-se a uma só espécie: matilha, boiada, arquipélago, etc; indeterminado, aplicam-se a diversas espécies, bando de aves, bando de crianças, etc; e numéricos, quando exprimem número exato: par, centena, dezena, etc.  Muitos coletivos usamos sem notar como álbum, atlas, alfabeto, entretanto é difícil escolhe coletivos para palavras que historicamente não possuem.

                 O coletivo específico de cadáver é mortualha, que figurativamente também pode se referir a pessoa sem vida; porém os zumbis são cadáveres com vida! Daí a opção pelo coletivo indeterminado horda, que faz parte de um bom número de coletivos que se referem a multidões de maltrapilhos e desordeiros, por exemplo, caterva, farândola, malta, súcia e corja.  Sem dúvida a palavra horda não ficou mal, agora é só fazer essa horda de zumbis, devorando cérebros!!

(Ricardo Gomes)

Referências:

BECHARA, Evanildo: Moderna gramática portuguesa. 37. Ed.. Rio de Janeiro: Nova Cultural, 2009.

CEGALLA, Domingos Paschoal: Novíssima gramática da Língua Portuguesa.   34. Ed. São Paulo: Companhia Nacional, 1991.

COUTINHO, Ismael de Lima: Pontos de gramática histórica. 7. Ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1976.


terça-feira, 25 de agosto de 2020

Infectadura, ou Neologismos não Transmitidos na Pandemia

                                                                           


Durante a pandemia de 2020, fomos invadidos por uma grande quantidade de neologismos, tal fenômeno criou um compartilhamento de neologismos entre línguas diferentes, por exemplo, “novo normal”, por outro lado, há neologismos que ficaram restritos aos seus respectivos países, apesar de ações semelhantes, geradoras do neologismo, ocorrerem pelo mundo inteiro, um exemplo interessante são os neologismos: infectadura e saludcracia, que surgem na Argentina, mas por quê tais neologismos ficaram restritos? 

        O termo infectadura surgiu na Argentina, criado em um documento conjunto com mais de 300 intelectuais, cientistas e jornalistas do país, entre ele Juan  José  Sebreli, sociólogo que analisa questões como o neopopulismo na Argentina e o filósofo Santiago Kovadloff.  A palavra é formada por dois termos infectologia e ditadura, seria como uma ditadura imposta pelo governo em questões como confinamento e quarentena, em razão do vírus chinês. O governo, por seu lado, através do ministro da defesa Agustín Rossi, trouxe outro neologismo: “saludcracia”, formada com o hibridismo de  “salud” saúde, mais o radical grego cracia: governo.

        Essa guerra de neologismo não chegou até nós, apesar de vermos governos estaduais e municipais usando de muita autoridade para garantir o isolamento e vozes discordantes. O que explica a ausência de tais termos, em nossas terras verbais, talvez seja a questão de o Governo Federal ficar mais atado a questões técnicas, apesar de acusações de autoritário e “fascista” tais neologismo não circularam por aqui, aí fica a questão de mesmo as palavras não ditas, dizerem algo.  

(Ricardo Gomes Pereira)

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

O Vocativo e o “Snowclone” na Globo News

 



        O Vocativo é um termo acessório que serve para pôr em evidência o ser a quem nos dirigimos: Amai, amigos! Ele possui vírgula e não mantém nenhuma relação sintática com outro temor, por exemplo, em Amai, amigos! Não posso dizer que meninos é o sujeito da oração, o mesmo ocorre em Amigos, peçam paciência a Deus.  Nesse casso amigos é o vocativo. Recentemente aconteceu uma confusão com o vocativo envolvendo um jornalista da Globo News, quando usou a expressão: é o pobre, estúpidos.

                Na linguagem escrita é fácil reconhecer a intenção de um vocativo, afinal há vírgula, na oralidade temos o tom da voz (tessitura) e podemos usar gestos, pois bem, para muitos o jornalista Octávio Guedes, ao comentar o bom desempenho do presidente Bolsonaro em uma pesquisa no nordeste, acabou por ofender o povo nordestino, ao usar a sentença é o pobre, estúpidos, no momento em que justificava o aumento de votos do governo nessa região. De fato, a ausência de vírgulas e atentar para tonalidade de voz é algo complicado, porém o jornalista faz uma referência a um determinado bordão da língua inglesa (bordão: sentença repetida sempre)  e comum em comentários de economia, em um fenômeno chamado de “snowclone” um neologismo que começa a circular e faz referência a esse tipo de construção em inglês: It`s the economy, stupid; que é um exemplo de gerador do discurso do jornalista, uma referência a uma sentença do marqueteiro político James Carville, usado na eleição de Clinton (EUA - 1992).

                Em português temos exemplos de snowclone é semelhante ao que chamamos de ditado, bordão, jargão ou clichê jornalístico, vejamos um exemplo imaginário com o Inês já é morta:

                -  Vamos embora, agora, Inês já é morta.

                - Você vai ao enterro dela?

                Esse é o problema desse tipo de construção, exige do interlocutor o conhecimento do ditado e saber que ele pode ser aplicado em vários contextos, nesse caso um deles não sabia dessa referência literária a Inês de Castro decapitada no séc. XIV; daí o termo snowclone, há várias palavras para descrever a neve, assim se faz um clone da neve. O jornalista fazia uma referência comum, porém para o público amplo, o vocativo acabou virando um adjetivo, ou adjunto adnominal, não era a intenção de Octávio Guedes ofender nordestinos, mas, um dia da caça.....

( Ricardo Gomes)


quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Lupa para Incoerência

 


            A coerência é algo importante em um texto, costumo sempre fazer a comparação do indivíduo que começa a escrever sobre flores e termina falando de Júpiter. A questão da coerência é bastante complicada, afinal não se trata de um erro de ortografia, exige que o leitor tenha atenção, sobretudo quando a incoerência é proposital, ou melhor, sobretudo quando a incoerência vem de uma agência de fact-checking!!!

            A agência Lupa, notoriamente contra o atual presidente,  realizou tal incoerência ao tentar refutar uma afirmação sobre as ações do presidente em relação à doença  Sars-Covid-2, ou seja, de que ele teve seu controle cerceado pelo STF. A tentativa foi refutar, ou chamar de Fake, o que é mais cômodo, o comentário que segue:


              Pois  bem o texto publicado pela agência de verificação foi:

“A informação analisada pela Lupa é falsa. O Supremo Tribunal Federal (STF) não afastou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) do “controle” das medidas estratégicas contra a pandemia da Covid-19. Na realidade, o STF julgou três ações e entendeu que governadores e prefeitos têm autonomia para traçar planos de combate ao vírus em seu respectivos territórios, incluindo o fechamento do comércio, por exemplo.” (Yahoo notícias)

 

            Ora, segundo o texto o presidente não foi afastado do “controle”, o STF apenas esclareceu sobre a autonomia de Estados e Municípios em seus territórios! Ou seja, ele possui um controle e ninguém precisa obedecer? É como se tivéssemos um cavalo que vai para onde ele quiser, às vezes, ele faz o percurso desejado pelo dono, logo o dono tem o controle! Ou, eu tenho um carrinho de controle remoto que não precisa obedecer ao controle remoto. Ora,  se há controle do presidente no caso da pandemia, não há autonomia dos Estados e municípios, se há autonomia de Estados e Municípios não há controle do  presidente. Fechando com chave de ouro, a cega lupa deixa um exemplo que contradiz a primeira afirmação, afinal o presidente foi a favor do isolamento vertical, que os municípios não fizeram, optaram pelo total; flor em Júpiter acaba sendo mais coerente.  


(Ricardo Gomes Pereira)