sábado, 19 de março de 2022

Nomofobia – Qual o Processo de Formação Hibridismo ou Abreviação Vocabular?

 


A palavra nomofobia significa medo irracional de ficar sem o celular por longo tempo, este receio, angústia, ansiedade faz com que a pessoa o tenha sempre ao lado. Essa palavra ainda não é consensual, porém usada desde 2008 e com estudos robustos em 2011. Já temos publicações sobre esse problema sobretudo em jovens, que já nascem com nesse ambiente onde o celular possui um valor afetivo forte.

            A morfologia estuda o processo de formação de palavras, esses processos se repetem e são bem produtivos, vejamos a caso da derivação sufixal onde casa, casinha, casebre, possuem o radical {cas-} que se repete e vamos acrescentando apenas outras palavras (sufixos). Esse é o processo da derivação, quando a palavra é formada por dois radicais, aí temos a composição, por exemplo, passatempo [passa] + [tempo]. Nas composições há um caso especial que é o hibridismo, ou seja, quando unimos radicais de origem diferente, por exemplo: monocultura, onde a palavra [mono-] vem do grego e [-cultura] do latim. Outro processo é a abreviação vocabular, quando diminuímos uma palavra:  motocicleta, tornar-se-á moto

            Voltemos para nomofobia, essa palavra é formada pela junção de um termo em inglês NO-MObile-PHone phoBIA em inglês NOMOPHOBIA, temos aí antes uma elaborada abreviação vocabular, do que a junção de dois radicais de origens distintas, pois a palavra PHOBIA entende-se como junção de PHone e phoBIA, logo há um caso de estrangeirismo, adaptado a nossa língua onde o PH que foi abolido em 1911(primeira reforma ortográfica) é substituído pelo F, ficando assim fobia.


domingo, 13 de março de 2022

Macedo e a Incógnita em “Os dois amores”

 




            Há obras que obscurecem o autor e até mesmo a produção inteira do autor, no caso de Macedo, temos em “A Moreninha” lançado em 1844, um livro que conseguiu não apenas ser o introdutor da teoria do romance, nos modelos da escola romântica, como também foi alvo de elogios por trazer o romance urbano e preconizar o romance histórico e o romance filosófico com sua veia moralizante. O sucesso foi tanto que ganhou a alcunha de “O Macedo d`A Moreninha” Ainda hoje é muito lido e famosa, mesmo para o gosto moderno; Macedo consegue nos transportar para uma época de início de civilização industrial, com histórias ingênuas, porém com vários traçados que vão se resolvendo. Macedo traz o amor sentimental, bailes, cartas trocadas, fofoqueiros, apontando sempre par ao altar, para o casamento e a felicidade conjugal onde termina o romance com seu anel de ouro. Macedo traz digressões morais e seus enredos acabam se repetindo, pois o público esperava isso dele, o romance com caráter prescritivo, uma bula sentimental.

            O livro “Os dois amores” não foge de tal tradição macediana, personagens jovens que se amam e estão separados pelo dinheiro e por um segredo, um vilão, fofoqueiros, pessoas humildes que ajudam os casais apaixonados, enfim, os temperos do romance romântico estão bem dosados na história de Cândido e Cecília. Esse casal de jovens é separado pelo dinheiro, porém com afinidades, o rapaz, órfão que fora abandonado pela mãe e ela, Celina, também órfã em tenra idade, mora com o avô Anacleto e sua tia Mariana, essa uma viúva, apaixonada por Henrique, um amigo de seu marido, que chegou a fugir para a Europa afim de arrefecer o amor que sentia por Mariana e agora, com a viuvez dessa, pôde voltar para um futuro casamento.

             A intriga Macediana, permeada pelas digressões moralizantes dão um toque ajudam o leitor a acompanhar o enredo que acaba se tornando repetitivo, sendo desculpável para época e foco narrativo, por exemplo, a troca de cartas que ocorre por “roubos” de cartas, dando um toque sútil ao romance, o jovem que à noite, escrevia até cair de sono em sua escrivaninha sobre seu amor e o diário de uma jovem sobre o descobrimento do  seu amor, revelam uma sutileza no trato psicológico dos personagens. As amigas de Celina, conversas com alguém a ouvir, o velho Anacleto e sua tristeza interior mesmo durante uma festa, vão deixando pistas e dando acabamento aos personagens, tornando-os próximos de seu público: mulheres e estudantes, ou como diria Sodré: (...) fiel a realidade, nas minúcias, e descambando para o inverossímil no conjunto” (SODRÉ:1964 p.224)

            O título, entretanto, é o que chama atenção, afinal, quem são os dois amores? A polissemia do título é algo bem machadiano e é justamente isso que queremos agora refletir, ou tentar responder, ou problematizar: quem são os dois amores?

            A princípio parece claro tratar-se de Celina e Cândido, o par romântico que desde o início revela a atenção do autor; porém não podemos deixar de perceber como Cândido carrega a questão da mãe durante toda a história, seu modo de ser sorumbático, seu relacionamento com sua tia, ou quando conversa com a mulher de mantilha e relata sobre sua mãe:

“ -Oh! É que, apesar de ser enjeitado, houve forçosamente um homem que foi meu pai, e uma mulher que me concebeu! Esse homem, senhora, é já morto...disseram-mo. Eu sou órfão de pai; mas minha mãe!....Essa, diz-me o coração que ainda vive....e eu amo-a com todo esse fogo de amor que Deus acendeu na minha alma...

- Sem conhece-la?...

- Que importa? Este amor não se gasta, não se escota; esse amor é como fogo do sol, sempre o mesmo, ou cada vez mais ardente. Quando eu encontra minha mãe...Oh! que amar esse de então!” (MACEDO: 1950 p 299)

 

            Assim percebemos que o coação de Cândido é dividido entre esses dois amores, o de Celina, bela jovem, a quem conheceu por acaso, observando os passeios matutinas da jovem sobre um caramanchão e de outro lado esse amor, o amor materno, mesmo sem conhecer a mãe. Esse coração de Cândido em uma divisão que não cria nenhuma emulação, talvez explique melhor o título. Outra hipótese está nos dois casais que farão o final do livro: Cândido e Celine e Mariana e Henrique. O amor de Henrique por Mariana também é desses típicos do romantismo, pois é a mulher de seu amigo e ele acaba fugindo para não causar nenhum transtorno aos dois, durante parte do livro a presença de Salustino com um segredo que poderia prejudicar o casamento, tão almejado, de Mariana com Henrique a torna escrava de Salustino que pretende casar-se com Celina e o tenta com a ajuda de Mariana.

            Mariana também nos traz a questão do amor materno, afinal com a culpa de um aborto, com medo da sociedade da época para tal ato,  Mariana se transforma ao descobrir que seu filho vive, que ela ainda é mãe, não teríamos aí o segundo amor? Por um lado o amor romântico que culmina no casamento, entendido como o  momento de felicidade na vida e de outro o amor materno  entendido como o momento da própria vida?

            Não podemos esquecer de Salustiano, afinal ele em seu amor por Celina representa o velho perante o novo, estamos em uma época de mudança, dentro daquilo que  Gilberto Freyre aponta como “transição do patriarcalismo para o individualismo” (2006 p 200) Assim haveria um amor puro, jovem, pobre na pessoa de Cândido e outro amor velho, patriarcal, endinheirado, sem pudor na pessoa de Salustino.  

            No final do livro as dúvidas cessam, pois quando Celina retira o terceiro botão de rosa e oferta a Candido  aparecem Mariana e Henrique e o autor ressalta que “ Os dois amantes voltaram-se e viram junto de si Mariana e Henrique” (MACEDO: 1950 p.390) Ora, o termo dois amantes é usado em vez de dois amores e o abraço desse quarteto se revela com adoção de Celina e Cândido por Mariana e Henrique e o grande encontro do filho com a mãe, assim fica claro que o amor, que Macedo nos traz, possui dois componentes, sendo o amor conjugal e o amor maternal, com as duas forças motrizes a dominar os homens.

 

 

 

CERQUEIRA, RODRIGOEXTRAVAGÂNCIA ESTUDANTIL A FORMA SIMBÓLICA POSSÍVEL DOS PRIMEIROS ROMANCES E PEÇAS DE JOAQUIM MANUEL DE MACEDO. Novos estudos CEBRAP [online]. 2016, v. 35, n. 1 [Acessado 13 Março 2022] , pp. 177-192. Disponível em: <https://doi.org/10.25091/S0101-3300201600010009>.  

 

Freyre, Gilberto: Sobrados e mucambos:a decadência do patriarcado e o desenvolvimento urbano. São Paulo: Global,2006.

 

MACEDO: J.M: Os dois amores – Col.: Grande Romances Universais vol 12. São Paulo: W.M. Jackson, 1950.

 

SODRÉ, N.W.:  História da Literatura Brasileira Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1964