Há
obras que obscurecem o autor e até mesmo a produção inteira do autor, no caso
de Macedo, temos em “A Moreninha” lançado em 1844, um livro que conseguiu não
apenas ser o introdutor da teoria do romance, nos modelos da escola romântica,
como também foi alvo de elogios por trazer o romance urbano e preconizar o
romance histórico e o romance filosófico com sua veia moralizante. O sucesso foi
tanto que ganhou a alcunha de “O Macedo d`A Moreninha” Ainda hoje é muito lido
e famosa, mesmo para o gosto moderno; Macedo consegue nos transportar para uma
época de início de civilização industrial, com histórias ingênuas, porém com
vários traçados que vão se resolvendo. Macedo traz o amor sentimental, bailes,
cartas trocadas, fofoqueiros, apontando sempre par ao altar, para o casamento e
a felicidade conjugal onde termina o romance com seu anel de ouro. Macedo traz
digressões morais e seus enredos acabam se repetindo, pois o público esperava
isso dele, o romance com caráter prescritivo, uma bula sentimental.
O
livro “Os dois amores” não foge de tal tradição macediana, personagens jovens
que se amam e estão separados pelo dinheiro e por um segredo, um vilão, fofoqueiros,
pessoas humildes que ajudam os casais apaixonados, enfim, os temperos do romance
romântico estão bem dosados na história de Cândido e Cecília. Esse casal de jovens
é separado pelo dinheiro, porém com afinidades, o rapaz, órfão que fora
abandonado pela mãe e ela, Celina, também órfã em tenra idade, mora com o avô Anacleto
e sua tia Mariana, essa uma viúva, apaixonada por Henrique, um amigo de seu
marido, que chegou a fugir para a Europa afim de arrefecer o amor que sentia por
Mariana e agora, com a viuvez dessa, pôde voltar para um futuro casamento.
A intriga Macediana, permeada pelas digressões
moralizantes dão um toque ajudam o leitor a acompanhar o enredo que acaba se
tornando repetitivo, sendo desculpável para época e foco narrativo, por
exemplo, a troca de cartas que ocorre por “roubos” de cartas, dando um toque
sútil ao romance, o jovem que à noite, escrevia até cair de sono em sua escrivaninha
sobre seu amor e o diário de uma jovem sobre o descobrimento do seu amor, revelam uma sutileza no trato
psicológico dos personagens. As amigas de Celina, conversas com alguém a ouvir,
o velho Anacleto e sua tristeza interior mesmo durante uma festa, vão deixando pistas
e dando acabamento aos personagens, tornando-os próximos de seu público:
mulheres e estudantes, ou como diria Sodré: (...) fiel a realidade, nas minúcias,
e descambando para o inverossímil no conjunto” (SODRÉ:1964 p.224)
O
título, entretanto, é o que chama atenção, afinal, quem são os dois amores? A polissemia
do título é algo bem machadiano e é justamente isso que queremos agora
refletir, ou tentar responder, ou problematizar: quem são os dois amores?
A
princípio parece claro tratar-se de Celina e Cândido, o par romântico que desde
o início revela a atenção do autor; porém não podemos deixar de perceber como
Cândido carrega a questão da mãe durante toda a história, seu modo de ser sorumbático,
seu relacionamento com sua tia, ou quando conversa com a mulher de mantilha e
relata sobre sua mãe:
“ -Oh! É que, apesar de ser
enjeitado, houve forçosamente um homem que foi meu pai, e uma mulher que me
concebeu! Esse homem, senhora, é já morto...disseram-mo. Eu sou órfão de pai;
mas minha mãe!....Essa, diz-me o coração que ainda vive....e eu amo-a com todo
esse fogo de amor que Deus acendeu na minha alma...
- Sem conhece-la?...
- Que importa? Este amor não se
gasta, não se escota; esse amor é como fogo do sol, sempre o mesmo, ou cada vez
mais ardente. Quando eu encontra minha mãe...Oh! que amar esse de então!”
(MACEDO: 1950 p 299)
Assim
percebemos que o coação de Cândido é dividido entre esses dois amores, o de Celina,
bela jovem, a quem conheceu por acaso, observando os passeios matutinas da jovem
sobre um caramanchão e de outro lado esse amor, o amor materno, mesmo sem conhecer
a mãe. Esse coração de Cândido em uma divisão que não cria nenhuma emulação, talvez
explique melhor o título. Outra hipótese está nos dois casais que farão o final
do livro: Cândido e Celine e Mariana e Henrique. O amor de Henrique por Mariana
também é desses típicos do romantismo, pois é a mulher de seu amigo e ele acaba
fugindo para não causar nenhum transtorno aos dois, durante parte do livro a
presença de Salustino com um segredo que poderia prejudicar o casamento, tão
almejado, de Mariana com Henrique a torna escrava de Salustino que pretende
casar-se com Celina e o tenta com a ajuda de Mariana.
Mariana
também nos traz a questão do amor materno, afinal com a culpa de um aborto, com
medo da sociedade da época para tal ato, Mariana se transforma ao descobrir que seu
filho vive, que ela ainda é mãe, não teríamos aí o segundo amor? Por um lado o
amor romântico que culmina no casamento, entendido como o momento de felicidade na vida e de outro o
amor materno entendido como o momento da
própria vida?
Não
podemos esquecer de Salustiano, afinal ele em seu amor por Celina representa o
velho perante o novo, estamos em uma época de mudança, dentro daquilo que Gilberto Freyre aponta como “transição do patriarcalismo para o
individualismo” (2006 p 200) Assim haveria um amor puro, jovem, pobre na
pessoa de Cândido e outro amor velho, patriarcal, endinheirado, sem pudor na
pessoa de Salustino.
No final do livro as dúvidas cessam,
pois quando Celina retira o terceiro botão de rosa e oferta a Candido aparecem Mariana e Henrique e o autor ressalta
que “ Os dois amantes voltaram-se e viram junto de si Mariana e Henrique”
(MACEDO: 1950 p.390) Ora, o termo dois amantes é usado em vez de dois amores e
o abraço desse quarteto se revela com adoção de Celina e Cândido por Mariana e
Henrique e o grande encontro do filho com a mãe, assim fica claro que o amor,
que Macedo nos traz, possui dois componentes, sendo o amor conjugal e o amor
maternal, com as duas forças motrizes a dominar os homens.
CERQUEIRA, RODRIGOEXTRAVAGÂNCIA
ESTUDANTIL A FORMA SIMBÓLICA POSSÍVEL DOS PRIMEIROS ROMANCES E PEÇAS DE JOAQUIM
MANUEL DE MACEDO. Novos estudos CEBRAP [online]. 2016, v. 35, n. 1
[Acessado 13 Março 2022] , pp. 177-192. Disponível em:
<https://doi.org/10.25091/S0101-3300201600010009>.
Freyre, Gilberto: Sobrados
e mucambos:a decadência do patriarcado e o desenvolvimento urbano. São
Paulo: Global,2006.
MACEDO: J.M: Os dois
amores – Col.: Grande Romances Universais vol 12. São Paulo: W.M. Jackson, 1950.
SODRÉ, N.W.: História da Literatura Brasileira Rio de
Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1964
Muito bom!!! Parabéns.
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