quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

O Cancelamento e o Casamento da Censura

 



A Língua sempre recebe novas palavras ou modifica o sentido de antigas para acompanhar o desenvolvimento comunicativo das pessoas, desde 2019 há uma palavra que causa certo medo em artistas, trata-se da palavra cancelamento. Essa palavra reflete um fenômeno chamado de cultura do cancelamento, em 2019 foi eleita como palavra do ano no dicionário australiano Macquare, aproxima-se muito do termo boicote, porém o boicote é em produtos específicos, já o cancelamento é não só no indivíduo, como também em sua obra atual e até mesmo posterior. O termo repercute  na literatura também, um exemplo foi o ocorrido com J.K. Rowling, autora de Harry Potter, que foi acusada de transfobia em razão de um comentário que agradou. Outros sinônimos aproximados são: nulificar, extinguir, abolir, cessar etc.

                A palavra não vem sozinha, afinal se o artista se redimir, ele pode ser descancelado, assim aparece o prefixo {dês-}. Muitos artistas populares receberam o cancelamento como Anitta e Gustavo Lima, o cancelamento é caracterizado por um linchamento virtual, que pode atingir parte do público do artista, mais engajado com políticas de esquerda, porém não consegue ser pleno e total. O cancelamento também induz os artistas a terem sua opinião vigiada, criando assim um tipo novo de censura, afinal não se trata de governo a censurar, e muitos que pedem o cancelamento, não são necessariamente fãs e consumidores dos artistas.

                Outro fator negativo, quando o cancelamento tende a adentrar em épocas distintas, por exemplo, Monteiro Lobato sofreu campanhas para cancelamento, ora, a função da obra, sobretudo literária, não é ser um espelho do artista e sim de uma época, o caso de Lobato, entrou o dilema, se não cancela, há de se mudar elementos da obra. A censura abraça o cancelamento em núpcias de ódio, começa a controlar, sobretudo novos artistas, que temem, o cancelamento em seu público incipiente, uma censura eficaz, bem insípida para os que lutam pela liberdade de expressão, criando um terreno tênue, movediço, onde os canceladores de hoje, podem ser os cancelados de amanhã.

 

(Ricardo Gomes)



quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Voto Impresso ou Voto Auditável

 


Alegações de fraude nos EUA, suspeitas de fraudes na Venezuela, a democracia pode ser fraudada? A necessidade de verificar votos é cada vez mais imperiosa. Uma alternativa, sugerida pelo  excelentíssimo presidente Jair Bolsonaro, é usar o  voto impresso, onde a pessoa vota na urna eletrônica, recebe um comprovante e coloca o comprovante em uma urna física, assim os votos podem, posteriormente, passar por uma auditoria. Aqui entra o problema linguístico, em 2015 houve uma Ação Direta de inconstitucionalidade (ADI) que votada em 2018 decidiu que não se deve usar o recurso do voto impresso, assim usar o nome voto impresso, não seria um erro?  Muitos usam o termo voto auditável, como escolher um termo? Acho que a semântica chegou, acabo de ouvir a campainha.

                Não raro o nome de um objeto confunde-se com noções anteriores do mesmo objeto, além disso, há políticos que usam da semântica (sentido das palavras) para confundir, um exemplo ocorrera quando se debatia o projeto Escola Sem Partido de Miguel Nagib que era apenas uma síntese de leis já existentes, mas que transformaram em algo que proibiria debates e pluralidade de idéias. O nome não se reduz a uma questão de marketing, mas também de peroração (onde o nome resume a totalidade da idéia), isso é importante para convencer a população e evitar sofismas.

                Analisando os dois adjetivos mais usuais:  impresso e auditável, é perceptível que há diferenças, sobretudo quando se imagina um púbica alvo lato, com pouca formação, ou formação anoréxica, um público ainda cativo de discursos na grande imprensa, o nome voto impresso, causa uma certa nostalgia e até insegurança, um ministro do STF chegou a dizer que “voto impresso seria um retrocesso é como comprar um vídeocassete” (G1 06/11); percebe-se que o nome “voto impresso” tende a ser de fácil refutação, quando não há compreensão. Já o termo voto auditável, por sua vez, acaba sendo erudito em demasia, o que traz algumas vantagens, entender o nome acompanha o entendimento do que ele sugere no contexto específico, porém a virtude do nome também é seu problema, por ser um termo mais erudito, pouco comum, acaba sendo difícil atingir a população, sobretudo sem o apoio da grande imprensa, que hoje, é quem consegue manipular aquilo que Maingueneau chama de os discursos constituintes (discursos constituintes são formas de expressão e termos que tendem a ser copiados, antigamente eram escritores que realizam tal tipo de discurso, revelando os modelos da boa expressão, atualmente, cabe a grande imprensa ). Um nome diferente para voto impresso, indica uma melhor saída, há alternativas como voto verificado, voto confiável, ou até mesmo voto duplicado, o mais importante, agora, talvez seja compreender que a luta política não prescinde da luta lingüística.

 

 

 

G1 Presidente do STF diz que “voto impresso seria um retrocesso” in: https://g1.globo.com/es/espirito-santo/noticia/2020/11/06/presidente-do-tse-barroso-diz-que-voto-impresso-seria-retrocesso.ghtml acesso em 10/12

 

MAINGUENEAU: Dominique: Discursos constituintes trad. Anail Sobral. São Paulo: contexto, 2006.


terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Reeleição e recondução, ou como rasgar uma constituição

 


Com o fim do mandato de Maia e Alcolumbre, câmara e senado respectivamente, o STF foi acionado para resolver um problema, pode reeleição? Ou recondução? Nas duas palavras o prefixo {re-} equivale a repetição, porém é a palavra recondução que encontramos na constituição de 88, lembrando que não havia reeleição para o executivo quando surgiu a carta magna, essa virá posteriormente em emenda. Em seu art. 57 parágrafo 4.º lemos:

Art.57 § 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente. 

            Com o termo “vedada a recondução” percebe-se que há uma proibição constitucional para a reeleição. Ponto, sim ponto, haveria dúvida, não, mas como estamos no Brasil e as leis podem mudar em razão da pessoa a qual se dirige, haverá dúvida, ou sofismas.

            Um dos argumentos é chamado de interna corporis onde cabe à câmara e senado decidirem sobre suas Mesas Diretoras, daí segue-se que como não há uma regra interna, ficam livres para reeleger os seus presidentes, também lembram  que senado e câmara devem seguir a constituição, que agora permite reeleição no executivo!  Ora, se há uma constituição que veda a recondução, mesmo que exista regimento interno, esse não poderá ser contrário à constituição, salvo se fizerem uma emenda constitucional, ademais há uma diferença entre executivo e legislativo. Outro argumento, nada plausível é de que são legislaturas diferentes, como se isso retirasse a recondução!

            Leis arbitrárias, palavras que perdem seu sentido, novas palavras, falta de questionamento são ingredientes para uma receita insípida.