terça-feira, 27 de outubro de 2020

PIX: Abreviando as Siglas




O Banco Central, por meio da Resolução BCB Nº 1, de 12 de agosto de 2020, instituiu o PIX que é uma forma de pagamento instantâneo que visa a substituir TED, DOC, P2P, B2C, etc. Sim, quanta sigla, a vantagem é que o PIX também diminuirá o número de siglas!! As siglas são importantes para a comunicação, porém tornam a mensagem mais seletiva. No mundo digital as siglas são muito usadas, não raro ajudam a eliminar barreiras de pronuncia e ajudam a memorizar algo complexo. 

 O PIX tende a ser um integrante do SBP (mais uma!!!), ou seja, Sistema Brasileiro de Pagamento, e será utilizado para compras em depósito, transferências, pagamentos etc. O interessante, no caso da linguagem, é a escolha do nome PIX. Seria uma sigla, um neologismo, uma abreviação? Não é uma sigla, o Banco Central (BC!!!) buscou um termo que remete a tecnologia, daí PIXEL. 

A Abreviação vocabular é um processo de formação de palavras, não confundir com abreviatura, onde representamos uma palavra com as letras que sugerem essa palavra, exemplo de abreviatura: Dr. (abreviatura de doutor), etc (abreviatura de et coetera do latim “e as demais coisas); as siglas aproximam-se muito da abreviatura, pois as siglas, geralmente, são formadas com as iniciais das palavras ONU, BC etc. A abreviação, por sua vez, é a redução de uma palavra, há vários exemplos na língua: moto (motocicleta), quilo (quilograma), rebu (rebuliço) e agora Pix (PIXEL)! O interessante é que há uma tendência de as abreviações vocabulares substituírem a palavra reduzida e nesse caso a abreviação tende a substituir várias siglas.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Cruz e Sousa: Perante a Morte

 


A ciência e a metafísica encontram-se, pois, na intuição”

                                               (Henri Bergson) 

            Nessa primeira metade do século XXI temos mais poetas que poesia, temos mais artistas que arte, duas forças atuaram: a cultura de massa e as transgressões que os artistas buscaram, a cultura de massa deu status de artista para pessoas venais e os transgressores foram artistas venais definindo o estado da arte. Outra força já toma forma, onde se valoriza mais os predicados do ser que os predicados da obra. Assim a arte parece se afastar de sua epistemologia, a arte se afasta e permanece, pois o paradoxo a faz sorrir, não teme mais antíteses nem hipérboles.

             O dualismo entre objetivismo e subjetivismo é constante em nossa história literária, o racionalismo clássico e o cristianismo medieval, a ciência e a metafísica. O artista, sobretudo o poeta, capta os elementos e os amplia, criando oposições, criando integrações, criando retornos a elementos enraizados, em grande parte, na cultura ocidental. A escola simbolista, fins do séc. XIX e início do séc.XX, injeta uma resposta, uma oposição ao espírito científico, uma vacina ao positivo, materialista, mecânico ou determinista, com seus esquemas, presos a casualidade e longe das essências, tal qual um doce que se torna amargo, porque esqueceu que fora açúcar, em cárcere com suas resposta para a vida e não sobre a vida.

            A seguir, uma análise de um poema de Cruz e Sousa (1861-1898), poeta que representa a escola simbolista, nosso maior simbolista, poeta que soube conjugar elementos parnasianos em uma obra de obsessão, dor, revolta, religiosidade, talvez um suspiro do barroco, um Gregório de Matos mais pudico, com procedimento estilístico e tratamento de tema, que tornam, sem dúvida, um dos melhores poetas simbolista do mundo. Segundo Sérgio Alves Peixoto:

Dentro do Simbolismo brasileiro, Cruz e Sousa agigantou-se como uma espécie de bandeirante místico que, em meio à famosa floresta de símbolos de Baudelaire, procurou, desesperadamente, na aproximação com o espiritual e como o Absoluto, as grandes verdades humanas e divinas (Peixoto 1999: 249).

            O texto escolhido de Cruz e Sousa: Perante a Morte, consta entre os últimos sonetos do autor, como o nome já sugere, trata-se de um poema sobre o embate final, o embate que a vida adia. Segue o poema:

 

Perante a Morte

 

Perante a Morte empalidece e treme,

Treme perante a Morte, empalidece.

Coroa-te de lágrimas, esquece

O Mal cruel que nos abismos geme.

 

Ah! Longe o Inferno que flameja e freme,

Longe a Paixão que só no horror floresce...

A alma precisa de silêncio e prece,

Pois na prece e silêncio nada teme.

 

Silêncio e prece no fatal segredo,

Perante o pasmo do sombrio medo

Da morte e os seus aspectos reverentes...

 

Silêncio para o desespero insano,

O furor gigantesco e sobre-humano,

A dor sinistra de ranger os dentes.

            Quanto à estrutura, temos um poema decassílabo com rimas intercaladas, a forma é de soneto e as rimas estão dispostas em abba abba ccd eed. (1) Lembremos que na estrutura lógica dos sonetos, nos quartetos temos a apresentação do tema, no primeiro terceto a elevação do assunto, ou resumo, e no final a conclusão, chave de ouro.

            A preposição perante que inicia o poema indica uma relação de lugar (em frente à), a Morte é personificada, elevada, em uma tomada da consciência de sua existência, trazendo uma imersão para o “eu profundo”, abrindo o espaço para uma realidade mórbida. Esse primeiro verso une-se ao segundo, em uma insistência, uma referência a constante dor da condição humana, que percebemos pelo quiasmo: 

Perante a Morte empalidece e treme,

Treme perante a Morte, empalidece. 

Ou 

Empalidece e treme

Treme e empalidece 

            Os próximos versos do quarteto continuam, criando uma gradação no corpo: empalidece, treme, chora (lágrimas); no final o poeta sugere o esquecimento, personifica o Mal, mas o revela a gemer nos abismo. O próximo quarteto continua a idéia de distanciar (abismos geme) além disso, a união dos dois quartetos cria uma gradação: Morte < Mal< Inferno< Paixão. O primeiro verso do segundo quarteto também possui uma aliteração, que nos sugere uma musicalidade, algo também típico da escola:

“Ah! longe o InFERno que FLAmeja e FREme,”

                A solução, ou dualismo, aparece nos dois últimos versos do segundo quarteto, onde aparece o segundo quiasmo:

A alma precisa de silêncio e prece,

Pois na prece e silêncio nada teme.

Ou

Silêncio e prece

Prece e silêncio

            Esse segundo quiasmo tende a resolver o primeiro quiasmo: empalidece e treme – silêncio e prece. O primeiro terceto retoma o termo silencia e prece, uma sugestão da trindade? Talvez?  Nesse primeiro terceto inicia a elevação do assunto (1) em que há um suporte religioso dado pela prece: silêncio e prece no fatal segredo, ou seja, como enfrentar o “sombrio medo da morte”, como se comportar “perante o pasmo”, termina esse primeiro terceto com uma reticência depois da palavra reverente, aprofundando do eu - lírico para o eu do leitor, para assim criar um estado de poesia no leitor.

            No último terceto, percebemos que ele abre apenas com a palavra silencia, houve a ausência da prece, aqui se percebe que há dois estados, de um lado o religioso e de outro o não-religioso, onde no religioso temos uma esperança, como sugere no primeiro terceto e no segundo o desespero insano, comparemos:                               

                                   1.º terceto: Silêncio e prece no fatal segredo, (aspectos reverentes)

                                   2.º terceto: Silêncio para o desespero insano, (ranger de dentes)

            A religião com seus símbolos (aspecto reverente) trazendo conforto, sugerindo um segredo que possui uma linguagem humana e a ausência da prece, trazendo uma dor sinistra, uma dor e uma revolta, argumentos tão típicos nesse poeta brasileiro, tão esquecido e tão necessário para que o número de poesia seja maios que o número de poetas.                       

Referências:

AMORA, Antonio Soares: teoria da literatura 9.ª ed. São Paulo: Clássico Científico, 1971

BERGSON, Henri: Introdução à Metafísica  col. Os Pensadores vol XXXVIII São Paulo: Abril Cultural, 1974.

BOSI, Alfredo: História Concisa da Literatura Brasileira São Paulo: Cultrix, 1975

PEIXOTO, Sérgio Alves. A consciência criadora na poesia brasileira: do Barroco ao Simbolismo. São Paulo: Annablume, 1999.

SOUSA, João da Cruz e: poesias completas, broqueis, faróis, últimos sonetos Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.

 


terça-feira, 13 de outubro de 2020

De Pandemia para Sindemia: Mudam-se os Nomes, Permanecem os Radicais.


 

No dia 11 de março de 2020 a OMS declarou que a doença causada por um vírus chinês (Sars-Covid-2) tratava-se de uma pandemia, o nome faz uma referência a sua disseminação geográfica e cria um alerta para as nações. Esse nome, pandemia, também usa o famoso radical nominal grego {dem-, demo-}, que indica população, grupo, povo, daí seu uso na terminologia médica. Também encontramos em termos como endemia e epidemia, onde o primeiro concentra-se em uma determinada população, por razões geográficas ou culturais; já o segundo, epidemia, trata-se de uma região e finalmente pandemia quando há uma ampliação geográfica, daí o prefixo {pan-} que quer dizer inteiro, completo; de fato, o vírus surge na China e se propaga para o mundo inteiro, o que justifica o nome pandemia, porém, recentemente um neologismo começa a tomar forma, ou seja, sindemia.

                O nome surge em 1990, cunhado pelo antropólogo e médico norte-americano Merril Singer, para se referir a interação entre doenças que causam um dano maior que a soma dessas doenças, um exemplo são os usuários de drogas injetáveis, que possuem alguma doença preexistente e a droga acaba por ampliar o dano; no caso do vírus chinês, há a comorbidade (o diabetes, a obesidade e o câncer) que amplia seus danos, sobretudo em pessoas menos assistidas.  A mudança conceitual cria uma mudança semântica importante, pois não se trata apenas de cuidar dos doentes e da propagação do vírus, mas também de contribuir para que as comunidades menos assistidas não sejam tão vulneráveis, sobretudo socialmente.

                Temos assim, com o conceito de sindemia, um contraponto ao grupo que dizia que a economia a gente vê depois.

               (Ricardo Gomes Pereira)

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

O Radical e a Perseguição: Cristofobia, Misocristia...



Em um recente discurso na ONU, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, usou o termo cristofobia, referindo-se à perseguição aos cristãos em vários países; o termo é pouco usado, mas revela algo que ocorre atualmente e historicamente com o nome de Cristo.

            Os substantivos nomeiam os seres reais, imaginários, objetos e sentimentos humanos, para isso, eles possuem um elemento em sua estrutura, nomeado radical, esse elemento sofre poucas alterações e contribui para uma economia lingüística, contribui para aumentar o léxico, contribui para o entendimento de um texto, por exemplo, se alguém ler a palavra chamusco, pode até não saber que se trata de um odor de chama, mas conseguirá, relacionar com a palavra chama (sem relacionar com o verbo chamar), por causa do radical e dos afixos (elementos que colocamos junto ao radical).

            As palavras com o tempo recebem muitos afixos, isso contribui para sua atualidade, sabemos também que o uso das palavras é como um espelho autoritário que reflete o espírito de uma época (zeitgeist), reflete a cultura, reflete o interior dos falantes. Isso gera uma busca em mudar termos, há pouco tempo, um termo como macho, tinha uma carga positiva, porém com as criticas ao machismo, perdeu essa carga positiva.

            Vejamos o que ocorre com o radical de Cristo {Crist-}; desde o início do cristianismo existe uma perseguição, o martírio dos apóstolos, a perseguição aos cristão em Roma (CESARÉIA: 2019), governos contra o cristianismo, lutas religiosas, proibição de culto, etc. Atualmente, esses fenômenos continuam e os termos vão se acumulando: anticristianismo, anticristão, cristofobia, cristianofobia, misocristia, guerra cristera, etc. Acumulam-se sufixos ao radical, porém esses sufixos refletem uma perseguição aos que acreditam e seguem os preceitos de Cristo. Assim temos por um lado, palavras que são atenuadas, por outro percebemos que há uma certa denúncia sobre o espírito da época e o uso das palavras, ou a negação de certas palavras, revelando a aceitação do poder das palavras.

(Ricardo Gomes Pereira)

 

Referências

 

CESARÉIA, Eusébio: História Eclesiástica trad.: Wolfgang Fischer São Paulo: Fonte Editorial, 2019.

 

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Globalismo e Globalização: a Guerra dos Sufixos

 


A morfologia cuida da classificação, estrutura e significados da palavra, quando isoladas individualmente, para isso é importante o conceito de radical, que é a parte da palavra que traz sua significação lexical, por exemplo, ao ouvir ou ler a palavra fazendola, a pessoa pode não perceber o diminutivo, mas conseguirá perceber que se refere, ou tem relação, com a palavra fazenda. O radical é importante, porém há também os elementos colocados depois do radical, os sufixos, que podem mudar a palavra, é o que temos em globalismo e globalização, ambas possuem o mesmo radical {glob-}, mas são coisas distintas e, ultimamente, confundem seus significados.

            Globalismo e globalização possuem o mesmo radical, mas sufixos nominais distintos, esses sufixos indicam em globalismo {-ismo}: doutrina, sistema político, ciência; já em globalização temos o sufixo {-ção}: ação, estado ou qualidade. A diferença fica evidente quando usamos alguns determinantes: globalização política (para globalismo) e globalização econômica (para globalização); a globalização econômica refere-se a uma ação dos Estados em busca de um livre comércio, o problema para sua realização são os protecionismos de mercado; já a globalização política, por sua vez, refere-se a uma ampliação de determinada política social, cultural, legislativa, ou seja, um coletivismo, controlado por burocratas, ou agentes, acima das escolhas democráticas locais.

            Nota-se que o sufixo {-ismo}, realmente, possui uma importância no termo, pois o globalismo possui um caráter de doutrina, cuja premissa é: um mundo com problemas complexos (saúde, meio ambiente, comércio) exige um poder centralizado para decisões em nível mundial. Essa busca de um governo global convergente é um resultado, segundo Olavo de Carvalho, de três fatores:

 

 a) Alta complexidade das administrações públicas e os suportes tecno-sociais, fornecendo instrumentos de controle social, que não dependem de debate político;

b) meios de comunicação concentrados em pequenos grupos que realizam engenharia comportamental e fomentam o controle político com apologia a determinado tipo de pensamento e censura aos críticos;

c) Elite financeira a patrocinar os “órfãos de uma causa social”, com o fim da URSS, favorecendo militâncias locais e assim fomentando uma máquina de pressão política e intimidação. (CARVALHO: 2014 p.165).

 

            Assim é perceptível que temos, de um lado, uma ação econômica e comercial (globalização) e de outro uma centralização política em um grupo supranacional doutrinário; não obstante, ainda há certa confusão em jornais e membros da mídia abastada, essas confusões deixam claro que podemos estar diante do fator (b) acima descrito, ou de que na guerra dos sufixos, a desinformação é uma arma bem conveniente.

           

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Olavo de:  o mínimo que você precisa saber para não ser um idiota  org. Felipe Moura Brasil. – 10ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2014.

 

POLLEIT, Thorsten:  A diferença básica entre globalismo e globalização econômica: um é o oposto do outro in: MISES BRASIL/Artigos. disponível em: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2639#:~:text=O%20globalismo%20%C3%A9%20uma%20pol%C3%ADtica,de%20interven%C3%A7%C3%B5es%20e%20decretos%20autorit%C3%A1rios.  Acesso em 29/09/2020.