terça-feira, 27 de outubro de 2020
PIX: Abreviando as Siglas
terça-feira, 20 de outubro de 2020
Cruz e Sousa: Perante a Morte
“A ciência e a metafísica encontram-se, pois,
na intuição”
(Henri
Bergson)
Nessa primeira metade do século XXI temos mais poetas que
poesia, temos mais artistas que arte, duas forças atuaram: a cultura de massa e
as transgressões que os artistas buscaram, a cultura de massa deu status de artista para pessoas venais e
os transgressores foram artistas venais definindo o estado da arte. Outra força
já toma forma, onde se valoriza mais os predicados do ser que os predicados da
obra. Assim a arte parece se afastar de sua epistemologia, a arte se afasta e
permanece, pois o paradoxo a faz sorrir, não teme mais antíteses nem hipérboles.
O dualismo entre
objetivismo e subjetivismo é constante em nossa história literária, o
racionalismo clássico e o cristianismo medieval, a ciência e a metafísica. O
artista, sobretudo o poeta, capta os elementos e os amplia, criando oposições,
criando integrações, criando retornos a elementos enraizados, em grande parte,
na cultura ocidental. A escola simbolista, fins do séc. XIX e início do séc.XX,
injeta uma resposta, uma oposição ao espírito científico, uma vacina ao
positivo, materialista, mecânico ou determinista, com seus esquemas, presos a
casualidade e longe das essências, tal qual um doce que se torna amargo, porque
esqueceu que fora açúcar, em cárcere com suas resposta para a vida e não sobre
a vida.
A seguir, uma análise de um poema de Cruz e Sousa (1861-1898), poeta que representa a escola simbolista, nosso maior simbolista, poeta que soube conjugar elementos parnasianos em uma obra de obsessão, dor, revolta, religiosidade, talvez um suspiro do barroco, um Gregório de Matos mais pudico, com procedimento estilístico e tratamento de tema, que tornam, sem dúvida, um dos melhores poetas simbolista do mundo. Segundo Sérgio Alves Peixoto:
Dentro
do Simbolismo brasileiro, Cruz e Sousa agigantou-se como uma espécie de
bandeirante místico que, em meio à famosa floresta de símbolos de Baudelaire,
procurou, desesperadamente, na aproximação com o espiritual e como o Absoluto,
as grandes verdades humanas e divinas (Peixoto 1999: 249).
O texto escolhido de Cruz e Sousa: Perante a Morte,
consta entre os últimos sonetos do autor, como o nome já sugere, trata-se de um
poema sobre o embate final, o embate que a vida adia. Segue o poema:
Perante a
Morte
Perante a
Morte empalidece e treme,
Treme
perante a Morte, empalidece.
Coroa-te de
lágrimas, esquece
O Mal cruel
que nos abismos geme.
Ah! Longe o
Inferno que flameja e freme,
Longe a
Paixão que só no horror floresce...
A alma
precisa de silêncio e prece,
Pois na
prece e silêncio nada teme.
Silêncio e
prece no fatal segredo,
Perante o
pasmo do sombrio medo
Da morte e
os seus aspectos reverentes...
Silêncio
para o desespero insano,
O furor
gigantesco e sobre-humano,
A dor sinistra de ranger os dentes.
Quanto à estrutura, temos um poema decassílabo com rimas
intercaladas, a forma é de soneto e as rimas estão dispostas em abba abba ccd
eed. (1) Lembremos que na estrutura lógica dos sonetos, nos quartetos temos a
apresentação do tema, no primeiro terceto a elevação do assunto, ou resumo, e
no final a conclusão, chave de ouro.
A preposição perante que inicia o poema indica uma relação de lugar (em frente à), a Morte é personificada, elevada, em uma tomada da consciência de sua existência, trazendo uma imersão para o “eu profundo”, abrindo o espaço para uma realidade mórbida. Esse primeiro verso une-se ao segundo, em uma insistência, uma referência a constante dor da condição humana, que percebemos pelo quiasmo:
Perante a Morte empalidece e treme,
Treme perante a Morte, empalidece.
Ou
Empalidece
e treme
Treme e empalidece
Os próximos versos do quarteto continuam, criando uma gradação no corpo: empalidece, treme, chora (lágrimas); no final o poeta sugere o esquecimento, personifica o Mal, mas o revela a gemer nos abismo. O próximo quarteto continua a idéia de distanciar (abismos geme) além disso, a união dos dois quartetos cria uma gradação: Morte < Mal< Inferno< Paixão. O primeiro verso do segundo quarteto também possui uma aliteração, que nos sugere uma musicalidade, algo também típico da escola:
“Ah! longe o InFERno que FLAmeja e FREme,”
A solução, ou dualismo, aparece nos dois últimos versos do segundo quarteto, onde aparece o segundo quiasmo:
A alma precisa de silêncio e prece,
Pois na prece e silêncio nada teme.
Ou
Silêncio e prece
Prece e silêncio
Esse segundo quiasmo tende a
resolver o primeiro quiasmo: empalidece e treme – silêncio e prece. O primeiro
terceto retoma o termo silencia e prece, uma sugestão da trindade? Talvez? Nesse primeiro terceto inicia a elevação do
assunto (1) em que há um suporte religioso dado pela prece: silêncio e prece no
fatal segredo, ou seja, como enfrentar o “sombrio medo da morte”, como se comportar
“perante o pasmo”, termina esse primeiro terceto com uma reticência depois da
palavra reverente, aprofundando do eu - lírico para o eu do leitor, para assim
criar um estado de poesia no leitor.
No último terceto, percebemos que ele abre apenas com a palavra silencia, houve a ausência da prece, aqui se percebe que há dois estados, de um lado o religioso e de outro o não-religioso, onde no religioso temos uma esperança, como sugere no primeiro terceto e no segundo o desespero insano, comparemos:
1.º terceto: Silêncio e prece no
fatal segredo, (aspectos reverentes)
2.º terceto: Silêncio para o desespero insano, (ranger de dentes)
A religião com seus símbolos (aspecto reverente) trazendo conforto, sugerindo um segredo que possui uma linguagem humana e a ausência da prece, trazendo uma dor sinistra, uma dor e uma revolta, argumentos tão típicos nesse poeta brasileiro, tão esquecido e tão necessário para que o número de poesia seja maios que o número de poetas.
Referências:
AMORA, Antonio Soares: teoria da literatura 9.ª ed. São Paulo: Clássico Científico, 1971
BERGSON, Henri: Introdução à Metafísica col. Os Pensadores vol XXXVIII São Paulo: Abril Cultural, 1974.
BOSI, Alfredo: História Concisa da Literatura Brasileira São Paulo: Cultrix, 1975
PEIXOTO, Sérgio Alves. A consciência criadora na poesia brasileira: do Barroco ao Simbolismo. São Paulo: Annablume, 1999.
SOUSA,
João da Cruz e: poesias completas, broqueis,
faróis, últimos sonetos Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.
terça-feira, 13 de outubro de 2020
De Pandemia para Sindemia: Mudam-se os Nomes, Permanecem os Radicais.
No dia 11 de março de 2020 a OMS declarou que a doença causada por um vírus chinês (Sars-Covid-2) tratava-se de uma pandemia, o nome faz uma referência a sua disseminação geográfica e cria um alerta para as nações. Esse nome, pandemia, também usa o famoso radical nominal grego {dem-, demo-}, que indica população, grupo, povo, daí seu uso na terminologia médica. Também encontramos em termos como endemia e epidemia, onde o primeiro concentra-se em uma determinada população, por razões geográficas ou culturais; já o segundo, epidemia, trata-se de uma região e finalmente pandemia quando há uma ampliação geográfica, daí o prefixo {pan-} que quer dizer inteiro, completo; de fato, o vírus surge na China e se propaga para o mundo inteiro, o que justifica o nome pandemia, porém, recentemente um neologismo começa a tomar forma, ou seja, sindemia.
O nome surge em 1990, cunhado pelo antropólogo e médico norte-americano Merril Singer, para se referir a interação entre doenças que causam um dano maior que a soma dessas doenças, um exemplo são os usuários de drogas injetáveis, que possuem alguma doença preexistente e a droga acaba por ampliar o dano; no caso do vírus chinês, há a comorbidade (o diabetes, a obesidade e o câncer) que amplia seus danos, sobretudo em pessoas menos assistidas. A mudança conceitual cria uma mudança semântica importante, pois não se trata apenas de cuidar dos doentes e da propagação do vírus, mas também de contribuir para que as comunidades menos assistidas não sejam tão vulneráveis, sobretudo socialmente.
Temos assim, com o conceito de sindemia, um contraponto ao grupo que dizia que a economia a gente vê depois.
(Ricardo Gomes Pereira)
quinta-feira, 8 de outubro de 2020
O Radical e a Perseguição: Cristofobia, Misocristia...
Em um recente discurso na ONU, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro,
usou o termo cristofobia, referindo-se à perseguição aos cristãos em vários
países; o termo é pouco usado, mas revela algo que ocorre atualmente e
historicamente com o nome de Cristo.
Os substantivos nomeiam
os seres reais, imaginários, objetos e sentimentos humanos, para isso, eles
possuem um elemento em sua estrutura, nomeado radical, esse elemento sofre
poucas alterações e contribui para uma economia lingüística, contribui para aumentar
o léxico, contribui para o entendimento de um texto, por exemplo, se alguém ler
a palavra chamusco, pode até não saber que se trata de um odor de chama, mas
conseguirá, relacionar com a palavra chama (sem relacionar com o verbo chamar),
por causa do radical e dos afixos (elementos que colocamos junto ao radical).
As palavras com o tempo
recebem muitos afixos, isso contribui para sua atualidade, sabemos também que o
uso das palavras é como um espelho autoritário que reflete o espírito de uma
época (zeitgeist), reflete a cultura, reflete o interior dos falantes. Isso
gera uma busca em mudar termos, há pouco tempo, um termo como macho, tinha uma
carga positiva, porém com as criticas ao machismo, perdeu essa carga positiva.
Vejamos o que ocorre com o
radical de Cristo {Crist-}; desde o início do cristianismo existe uma
perseguição, o martírio dos apóstolos, a perseguição aos cristão em Roma
(CESARÉIA: 2019), governos contra o cristianismo, lutas religiosas, proibição
de culto, etc. Atualmente, esses fenômenos continuam e os termos vão se
acumulando: anticristianismo, anticristão, cristofobia, cristianofobia,
misocristia, guerra cristera, etc. Acumulam-se sufixos ao radical, porém esses
sufixos refletem uma perseguição aos que acreditam e seguem os preceitos de
Cristo. Assim temos por um lado, palavras que são atenuadas, por outro
percebemos que há uma certa denúncia sobre o espírito da época e o uso das
palavras, ou a negação de certas palavras, revelando a aceitação do poder das
palavras.
(Ricardo Gomes Pereira)
Referências
CESARÉIA, Eusébio: História Eclesiástica trad.: Wolfgang Fischer
São Paulo: Fonte Editorial, 2019.
quinta-feira, 1 de outubro de 2020
Globalismo e Globalização: a Guerra dos Sufixos
A morfologia cuida da
classificação, estrutura e significados da palavra, quando isoladas
individualmente, para isso é importante o conceito de radical, que é a parte da
palavra que traz sua significação lexical, por exemplo, ao ouvir ou ler a
palavra fazendola, a pessoa pode não perceber o diminutivo, mas conseguirá
perceber que se refere, ou tem relação, com a palavra fazenda. O radical é
importante, porém há também os elementos colocados depois do radical, os
sufixos, que podem mudar a palavra, é o que temos em globalismo e globalização,
ambas possuem o mesmo radical {glob-}, mas são coisas distintas e, ultimamente,
confundem seus significados.
Globalismo e globalização possuem o mesmo radical, mas
sufixos nominais distintos, esses sufixos indicam em globalismo {-ismo}:
doutrina, sistema político, ciência; já em globalização temos o sufixo {-ção}:
ação, estado ou qualidade. A diferença fica evidente quando usamos alguns
determinantes: globalização política (para globalismo) e globalização econômica
(para globalização); a globalização econômica refere-se a uma ação dos Estados
em busca de um livre comércio, o problema para sua realização são os
protecionismos de mercado; já a globalização política, por sua vez, refere-se a
uma ampliação de determinada política social, cultural, legislativa, ou seja,
um coletivismo, controlado por burocratas, ou agentes, acima das escolhas
democráticas locais.
Nota-se que o sufixo {-ismo}, realmente, possui uma
importância no termo, pois o globalismo possui um caráter de doutrina, cuja
premissa é: um mundo com problemas complexos (saúde, meio ambiente, comércio)
exige um poder centralizado para decisões em nível mundial. Essa busca de um
governo global convergente é um resultado, segundo Olavo de Carvalho, de três
fatores:
a) Alta complexidade das administrações
públicas e os suportes tecno-sociais, fornecendo instrumentos de controle
social, que não dependem de debate político;
b) meios de comunicação
concentrados em pequenos grupos que realizam engenharia comportamental e fomentam
o controle político com apologia a determinado tipo de pensamento e censura aos
críticos;
c) Elite financeira a
patrocinar os “órfãos de uma causa social”, com o fim da URSS, favorecendo
militâncias locais e assim fomentando uma máquina de pressão política e
intimidação. (CARVALHO: 2014 p.165).
Assim é perceptível que temos, de um lado, uma ação
econômica e comercial (globalização) e de outro uma centralização política em
um grupo supranacional doutrinário; não obstante, ainda há certa confusão em
jornais e membros da mídia abastada, essas confusões deixam claro que podemos
estar diante do fator (b) acima descrito, ou de que na guerra dos sufixos, a
desinformação é uma arma bem conveniente.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Olavo de: o mínimo que você precisa saber
para não ser um idiota org. Felipe
Moura Brasil. – 10ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2014.
POLLEIT, Thorsten: A diferença básica entre globalismo e
globalização econômica: um é o oposto do outro in: MISES BRASIL/Artigos. disponível em: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2639#:~:text=O%20globalismo%20%C3%A9%20uma%20pol%C3%ADtica,de%20interven%C3%A7%C3%B5es%20e%20decretos%20autorit%C3%A1rios. Acesso em 29/09/2020.