sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Itinerários Deformativos

 


Uma terra infértil, sem adubo não consegue fornecer os substratos necessários para uma boa colheita, pouco adianta mudar a forma do plantio ou a semente ou a mão que lança a semente. Mesmo quando essa terra produz, por pouco que seja, deve-se cuidar para que não haja degradação, para que essas sementes possam germinar, deve-se tentar outra forma, deve-se buscar o novo, porém nem toda mudança é um avanço. Em pleno século XXI, com tanta experiência acumulada pela humanidade, tentar o novo talvez seja apenas um certificado de “não sei o que estou fazendo”. Assim temos o Novo Ensino Médio, sendo implantado em alguns Estados, logo em um tempo em que ainda se respira, ou se evita respirar os ares de uma pandemia global.

Em time que está ganhando não se mexe, assim é necessário mexer na Educação brasileira, esse time não vê uma vitória há muitos anos, isso, porém,  não isola a cautela e a prudência,  pelo contrário, as tentativas podem causar rupturas fortes e sem significado real na melhoria, isto é, em vez de adubo, aumentar o lançamento de produtos tóxicos no solo já tão árido, já tão castigado da Educação brasileira.

Os itinerários formativos já nascem de premissas pouco esclarecedoras, acreditar em uma educação legal, que atraia os jovens é algo tão bobo, que mais parece uma ideia de velho ignóbil. O conhecimento é algo velho, Ortega & Gasset usa uma imagem interessante, sobre o jovem ser externo e o velho interno. São  dois mundos distintos e o conhecimento é velho, o conhecimento não pode ser jovem, pois o jovem caminha no e para o desconhecido, se consegue chegar ao conhecimento elaborado é porque já passou por tal estrada. O próprio termo pedagogo ( pensado aqui como o condutor) para conduzir deve conhecer a estrada,  como conduzir por um caminho desconhecido? As universidades ajudam o professor a fazer isso, há conteúdos, estratégias de ensino, métodos e o professor deve escolher, experimentar. O que se propõe é um professor flexível que consiga adequar seus conteúdos aos desejos dos discentes, desejos dos discentes que já vem pronto da Secretaria da Educação. Assim, pergunta-se a um  jovem se ele quer aula de Literatura, ora,  se esse jovem nem conhece Literatura, pergunta-se se quer climatologia, pergunta-se que quer uma formação em água e energia? Energia limpa? Limpadores de lâmpada? Geolocalização? Parte-se do pressuposto de uma consistente formação no fundamental II, sabemos que isso é um sofisma, isso é um adubo enganoso, sem substrato, talvez com boas intenções, mas sabemos o que enche com boas intenções.

Enquanto isso, os professores, devem se adaptar, professor de  arte com design de jogos? Língua Portuguesa com produção de jornal, uma mini-universidade? Ou professores que não sabem direito o que ensinam, ensinando jovens que não sabem direito o que deveriam aprender? A confusão reina, testar, cortar os erros, enfim, um empirismo epilético na Educação Paulista e também em outros Estados.

Não  há autonomia sem dicotomia, para chegar à dicotomia deve-se conhecer, assim a planta germina, em um solo rico, fértil, qual o solo fertil? Fertil em conhecimento, um simples chute torna-se uma hipótese científica, assim, tal qual uma mamãe águia que ao perceber que seu filhote não voa, o leva em seu bico e diz que ele voou sozinho, vão os professores do Estado mais rico da nação. Não podemos enganar nossos jovens, eles não sabem o significado de sofisma, mas percebem quando estão perto de um. O silêncio de associações de classe, como a Academia Paulista de Letras  é sem dúvida ensurdecedor. Não se defende aqui um ensino estanque, estranho considerarem que o tipo de ensino, as matérias e suas dificuldades  são a causa da evasão do Ensino Médio nas periferias, enquanto nas classe abastadas, elas se desenvolvem e contribuem para  a entrada em cursos concorridos, em universidades de renome? Condenam a semente e não o solo, felizmente, sabemos que algumas sementes são resistentes, desafiam e conseguem germinar mesmo em solos áridos.


(Ricardo Gomes Pereira)


segunda-feira, 24 de maio de 2021

Sobre o neologismo: motociata

 

 

                Neologismo é quando uma nova palavra é usada na língua, dentro de usas regras existentes, para um fenômeno novo ou, até mesmo antigo. A língua recebe contribuições constantes em seu vocabulário, a mais comum é o estrangeirismo, onde a Língua portuguesa sempre recebeu no final do século XIX, por exemplo, havia o constante uso do Francês em autores como Valentim Magalhães, Olavo Bilac, Joaquim Nabuco e até mesmo uma obra como “A retirada da Laguna” do Visconde de Taunay fora escrita em francês!! Mesmo o modernismo não deixou a língua livre da contribuição estrangeira, assim como no romantismo havia uma influência inglesa também considerável.

                O neologismo possui uma nímia vantagem de revelar as possibilidades criativas da língua, fugindo assim da tradução imediata de termos estrangeiros e nos aproximando do jeitinho brasileiro. Recentemente o Exmo Senhor Presidente Jair Bolsonaro aventurou-se em uma passeata com motociclistas, e logo veio o neologismo motociata, criado pelos participantes.

                O termo motociata é criado com o uso do radical + tema: {mot-} + {-o-}, junto com o sufixo nominal latino {-ata}, que indica porção, coletividade.  Assim surge o neologismo motociata, formado assim por derivação sufixal.  Vale destacar que o termo  moto é formado por uma abreviação vocabular, onde uma parte da palavra conserva o todo, por exemplo: motocicleta – moto e  pneumático – pneu.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Tratamento Precoce e Tratamento Imediato (o Sinônimo Permitido)

 

Os sinônimos não são  perfeitos, por mais semelhantes, carregam diferenças semânticas (sentido) e morfológicas (origem e estrutura), porém, atualmente vemos que alguns termos, aparentemente sinônimos, possuem uma diferença sobre a origem do discurso. Um exemplo são os termos para o tratamento do vírus chinês, onde temos tratamento precoce e, agora, tratamento imediato.

                Pesquisando no “Google” (23/02) o termo tratamento imediato, temos como primeiro resultado um informativo da cidade de Laguna (RS): Sulfato de Hidroxicloroquina: de 12 em 12 horas (primeiro dia). Do segundo ao quinto dia: 1 vez ao dia, associado à Azitromicina (500 mg), uma vez ao dia, durante cinco dias e Oseltamivir (75 mg) de 12/12/horas, durante 5 dias. Já quando colocamos o termo tratamento precoce não temos qual o tratamento e sim várias notícias sobre ilusão do tratamento precoce, porém, o tratamento em si, é idêntico!!

                O mesmo ocorre quando a busca é por imagens no Google, para tratamento imediato, várias fotos com remédio, médico, o anúncio da prefeitura de Laguna; já quando escrevemos tratamento precoce, vemos enganoso, sinais negativos, interrogações, imagens de  Bolsonaro, enfim, uma mudança substancial, como se fossem tratamentos distintos.

                Assim chegamos aos sinônimos proibidos. Diferente do eufemismo, quando atenuamos um termo: passou dessa para melhor, em vez de morreu. O termo tratamento precoce cria uma referência discursiva com o presidente J.M.Bolsonaro, uma referência positiva, algo impensável para alguns setores de comunicação, que preferem adotar outros nomes, a fim de que não exista uma referência positiva ligada ao presidente da república! Mesmo que para isso a busca de informação seja prejudicada.

                (Ricardo Gomes Pereira)


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

A Hipérbole Volta às Aulas

 


A hipérbole é uma figura de pensamento que consiste no exagero proposital de uma expressão, para ressaltar a ideia dessa, criando um apelo dramático, daí o adjetivo hiperbólico para os que exageram. Bastante usada na poesia, nos discursos do cotidiano e na publicidade: “Vou morrer de tanto estudar”, “sua última chance nessa vida de comprar essa TV”, um exemplo na poesia, no heterônimo de Fernando Pessoa: Álvaro de Campos:

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

            Essa figura também é muito usada em argumentação, a fim de exagerar a mensagem, causa um impacto, porém, ela também pode apenas anunciar um exagero de descontentes, por exemplo, a PEC (Projeto de Emenda Constitucional) 241 foi alcunhado de PEC do fim do mundo, ela foi aprovada em 2016, bom até agora o mundo está aí! Outro exagero é impor o predicativo de genocida aos governantes, ou, agora no contexto de volta às aulas quem é a favor a volta às aulas está contra a vida!!

            Temos aí um exagero, ofensiva a vida, contra a vida? Há argumentos melhores contra o retorno das aulas, assim como há argumentos favoráveis, porém a hipérbole prejudica o debate, vamos além, prejudica a busca de um consenso, mais além, lembra o garoto da história que gritava contra um lobo inexistente, até que apareceu um verdadeiro e ninguém o socorreu.

(Ricardo Gomes Pereira)


quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

A Vacina Vem da Vaca e Não do Jacaré

 


Calma, a palavra vacina é derivada de vaca. Muitas palavras que usamos têm sua origem no latim, buscar essa origem é buscar a etimologia das palavras. Muitas curiosidades surgem,e.g., o nome vem de uma doença e não da cura! Esse conhecimento contribui para que o uso da palavra fique diferente, uma coisa é falar do Alfredo, outra é quando falamos de um conhecido, um amigo chamado Alfredo. Conhecer em profundidade a palavra (origem, forma de composição, classificação) ajuda a conhecer a palavra, tornar a palavra uma amiga.

            O nome científico das espécies é em latim, no caso da vacina sua origem é justamente no nome de uma doença comum em vacas: variolae vaccinae (1.ª declinação) ou varíola da vaca. Essa doença causava enfermidade na pele dos humanos, morte, cegueira e cicatrizes. Um médico inglês Edward Jenner (1749- 1823) teve a ideia de inocular as pessoas com o vírus dessa varíola animal, afinal era mais fraca que a humana, originando assim uma reação que deixava o organismo imunizado contra a temida doença, afinal havia uma história de que os trabalhadores das zonas rurais não pegavam varíola, pois se contaminavam com o animal, que era mais amena.  Assim a palavra começou a significar toda substância produtora de antígenos imunizantes, derivados ou não de vaca, ou até mesmo de jacaré.

(Ricardo Gomes Pereira)

sábado, 9 de janeiro de 2021

O sufixo “aço”: de tratoraço para cagaço


 

Os sufixos são elementos que colocamos no final de algumas palavras, mudando o seu significado, por exemplo, na palavra casa, podemos acoplar o sufixo {-inh-} e teremos casinha, transformamos em um diminutivo, a palavra casa conservou uma parte, ou seja, {cas-} essa parte chamamos de radical. Esses elementos são usados em varias acepções, não aparecem sozinhos e seu uso revela um bom conhecimento do idioma. Os sufixos possuem valores semânticos que indicam carinho, idéias pejorativas e hoje temos um que revela descontentamento popular. O sufixo {-aço} comumente indica aumentativo, também usado de forma pejorativa: ricaço, poetaço, bagaço; porém seu uso adquiriu também um sentido de indignação popular e.g.: panelaço, e buzinaço.

                Temos assim uma contribuição, que conta com a criatividade popular, houve um evento de grupos LGBTQ+ com o nome de “punhetaço”, e também tivemos, recentemente, outro neologismo: tratoraço. Esse último ocorreu em razão de um descontentamento com o governador de São Paulo, João Dória, que pretendia aumentar o ICMS, esse movimento acabou causando uma mudança na política tributária do governo que resolveu não levar adiante a cobrança do ICMS, ou seja, tivemos um cagaço.

(Ricardo Gomes Pereira)