domingo, 22 de novembro de 2020

Vacina anti-covid ou vacina anticovid?

 

                       Palavras novas, regras antigas. A pandemia, ou sindemia, trouxe-nos novas palavras, novos conceitos e velhos problemas. Um velho problema, que não fora resolvido com a reforma ortográfica, é racionalização no uso do hífen. A ortografia determina a escrita correta das palavras, contribui para uma comunicação precisa e revela um ordenamento do discurso entre gerações. Não seria estranho, encontrar uma analise histórica com o título: conflitos norteamericanos no século XX. Nossa, o autor fez uma pesquisa de um século e não escreve corretamente o nome do país?  Isso acontece, pelo menos em nosso Brasil letrado.

                A chegada de uma vacina trouxe o termo vacina anti-covid, ou vacina anticovid. Vejamos o que sustenta a regra do uso do hífen quando temos o prefixo grego {anti-}, segundo a regra o hífen só poderá ser usado em dois casos; a) quando o segundo elemento começa por h: anti-higiênico; e b) quando terminam com vogal idêntica a que inicia o segundo elemento: anti-ibérico e anti-infeccioso. Logo não há razão para hífen em vacina anticovid.

                Mesmo assim é comum jornais optarem pelo termo com hífen, sobretudo UOL, Terra e Veja, por exemplo, o protocolo da CBF para segurança e prevenção do vírus chinês, ganhou o nome de protocolo anti-covid!!! Vale lembra que fazendo uma assimilação com outro termo, muito comum na área da saúde, temos anticorpos, que também não possui hífen.

                Tal fato, aparentemente irrisório, revela, por outro lado, como não existe um cuidado com o léxico, o que assusta, pois é muito comum, currículos abandonarem os nossos mestres literários e usarem jornais como exemplo de uso da língua materna, nossos jornais que mal conseguem usar um hífen!

 


segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Great Reset e Stackeholders – Estrangeirismo e Dominação

 

                 “Com o lockdown e os problemas gerados, percebemos que esse é o momento de um novo Bretton Woods, um great reset, para um Stackeholders capitalism”. Difícil entender? É bom nos acostumarmos com alguns termos, para não sermos enganados por modismos. Apesar de parecer, não se trata de um discurso meramente econômico, esse trecho acima possui implicações sociais, psicológicas e até metafísicas! Vamos traduzir:

                “Com o isolamento e os problemas gerados, percebemos que esse é o momento de um novo acordo de Bretton Woods, um grande reinício, ou grande recomposição, para um capitalismo de grupos de interesse”.

                Continua complicado, afinal não se trata de apenas traduzir, sem o conceito que há nas palavras a interpretação fica difícil, porque esbarra na compreensão, sem o conceito, aproxima-se de algo técnico, distante dos neófitos mortais, por isso a tradução em Língua Materna é algo importante, para não suficiente, já usar o termo em inglês pode distanciar o falante da sua Língua e das relações semânticas envolvidas, e como temos um novo conceito, ou aplicação de um conceito antigo, podemos insistir que é melhor a Língua traduzir e anexar o conceito, do que exportar o termo estrangeiro com seu conceito. O caso do Lockdown é um bom exemplo, o termo isolamento é mais agressivo, triste, revela mais participação individual e coletiva do que lockdown, assim como confinamiento no espanhol. Assim, quando usamos um termo estrangeiro, perdemos os laços semânticos, deixando livres os que manipulam as palavras, deixando livre a manipulação de forma positiva, algo que, não raro, está longe de ser positivo.

                É uma questão que envolve a gramática, sobretudo quando comparamos as soluções em outras línguas, vamos dividir o texto em duas partes, na primeira tentar entender os termos e na segunda como está a solução em nossa língua.

                 Great Reseat: as dívidas governamentais aumentaram, sobretudo com políticas como a do isolamento durante a pandemia do vírus chinês, consequentemente, caminhamos para um calote, as agendas ambientalistas continuam a sustentar que o homem causa mudanças climáticas, lutam por uma política de descarbonização, controle populacional, mudança alimentar etc. Seria o ser humano capaz de construir um bom futuro, sem mudar as bases que sustentam este mundo? Durante a pandemia, ocasionada pelo vírus chinês, muito se falou de um governo mundial, acima das nações, para tomar decisões, ora, haveria como reconfigurar o capitalismo, dando-lhe valores sociais e sustentáveis, com a colaboração dos governos? Para isso haverá coisas como afrouxamento de liquidez bancária, renda mínima, maior controle social das pessoas e dos créditos, ou seja, um governo de tecnocratas e fim dos Estados nacionais como conhecemos, e também, sem direito a votar em quem coordena tudo isso.

                Stackeholders – serão os encarregados de cooperar e administrar as consequências, sendo partes interessadas, mas não necessariamente incorporadas ao projeto.

                Vejamos agora como fica a questão da tradução, para great reset muitos sítios usam: grande recomeço, outros usam o termo grande reinício. Em espanhol temos gran reinicio, termo encontrado no próprio sítio do Fórum Econômico Mundial; o termo reinício soa bonito, e mais próximo da proposta do que recomeço, apesar de o mais justo ser grande reconfiguração, afinal é uma mudança na configuração de relações financeiras, sociais, geográfica, morais etc, e no Brasil o termo reset traz a noção de desligar um dispositivo para que ele volte à função anterior, ou normalidade, outra tradução mais próxima do conceito seria redefinição: grande redefinição, ou até mesmo grande recomposição, porque não será de imediato e sim paulatino, porém o homem considerar que pode reiniciar o mundo de uma forma melhor, soa mais para uma perigosa hipérbole socialista do que para um novo conceito de capitalismo.


segunda-feira, 9 de novembro de 2020

De “mulher” para “pessoa com vagina”, Quando a Metonímia Substitui o Ser

 

A metonímia é uma figura de linguagem bastante conhecida, por exemplo, quando pedimos uma xícara de café, café trata-se do conteúdo, do conteúdo que está na xícara, assim temos uma troca entre o continente e conteúdo. É uma figura de linguagem elegante, que conta com o conhecimento do ouvinte/leitor. A metonímia pode ser usada em várias situações: autor pela obra, marca pelo produto, parte pelo todo, exemplos: dormi com Cecília Meireles, comprei um Iphone, chegou o narigudo.

                A metonímia é usada para identificar pessoas, até aí nenhum problema, por exemplo, hoje acordei mais cedo que o padeiro, onde a profissão substitui a pessoa, mas será que o órgão sexual, poderia ser um definidor da pessoa? Há uma matéria que trata de câncer de colo do útero, logo, o público alvo imediato é quem tem útero, e quem tem útero são mulheres, mas o termo mulheres soa ofensivo!? A folha publicou uma matéria sobre higiene íntima feminina, ora, trata-se de mulher, mas o termo mulher soa ofensivo. O argumento é que ser mulher não é um fator biológico, não se resume aos cromossomos XX, ter útero, menstruar, ter glândulas mamárias, não, para alguns o termo mulher refere-se a uma preferência pela feminilidade, logo não é algo fechado, um homem pode ser mulher. Não se trata de uma simples metonímia que tende a tornar a linguagem mais atrativa, mas sim de uma metonímia que vem para substituir o todo, a parte substitui o todo, o órgão sexual define a pessoa, a metonímia substitui o ser. A figura de linguagem sai da estética e entra na ética. A passagem da conotação para denotação não é tão fácil e gera conflitos.

                 A escritora J.K. Rowling foi questionada ao satirizar o termo: pessoas que menstruam, porém essa nova definição causa desconforto, afinal há elementos que são do mundo feminino que devem ser tratados com relevância, coisas como TPM, licença maternidade, horário de amamentação, não são compartilhadas por opção, merecem atenção em separado.  O ser humano vai além de reduções sexuais, poucos substituiriam: minha mãe foi uma grande mulher, por minha mãe foi uma grande pessoa com vagina!! O livro mulheres apaixonadas (D.H. Lawrence) viraria pessoas com vagina apaixonadas; A mulher de 30 anos (Balzac) viraria a pessoa com vagina de 30 anos!! Lembremos que o termo também já possui o equivalente: homens com pênis! E assim caminha a humanidade, ou, logo, logo teremos que dizer: e assim caminham as pessoas que têm cu.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

A Morte da Coerência: Parcialismo Jornalístico

 


                A coerência é algo de suma importância em um texto, pensemos em um cego que conhece a própria casa, sabe onde fica a cozinha, sabe que existe uma mesa e a distância entre essa e a geladeira, sabe que na sala há sofá e no banheiro uma pia. Esse personagem então chega à casa de um amigo, o amigo lhe diz que estão na cozinha e de repente nosso personagem cego tateia um sofá, e quando eles vão até a sala, nosso personagem tateia uma pia! Logo há uma incoerência, em textos também é comum incoerências, sobretudo entre o título e a matéria, porém não raro elas são propositais, sobretudo quando analisamos os jornais atuais em relação a políticos como Trump ou Bolsonaro.

                Usarei uma notícia do UOL que chamou a atenção e virou motivo de chacota em algumas postagens, lembrando que tal matéria repetiu-se, de forma semelhante, em outros jornais da grande mídia:







               Interessante notar que em Oklahoma no dia 05 de julho, tivemos protestos do BLM, e foram 97 casos nesse dia e depois em 12 do mesmo mês 225!! Porém a incoerência fica mais nítida no próprio decorrer da matéria há uma opinião do diretor de saúde de Tulsa, onde ocorreu o comício de Trump, e o próprio sugere que “pode” ter relação com “os eventos” das últimas semanas, sendo que também houve outro evento na cidade o juneteenth em Tulsa em ambiente aberto e com várias pessoas.  A afirmação do título entra em contraste com a matéria e até mesmo com matérias anteriores, ou o vírus chinês possui uma tendência de ser seletivo em eventos.

                Lembremos que há uma corrida eleitoral no EUA, tais notícias tentem a criar um impacto no público, buscando criticar alguém, mesmo que para isso haja o sacrifício da coerência. Os jornais, não só no Brasil, ultimamente, estão a colocar pias na sala.