sábado, 8 de agosto de 2020

Regulação ou Censura – quando o eufemismo esconde a antítese

                          

                O Eufemismo é uma figura de linguagem bem famosa que consiste em atenuar ou amenizar algo desagradável de se dizer, por exemplo, passou dessa para melhor. Há casos mais difíceis: meu primo é hóspede do Estado – em vez de dizer que meu primo está preso. É muito usado para tornar a linguagem mais polida, porém é usado também para não deixar claro o que acontece. Já a antítese é um encontro de coisas opostas, não as unindo e sim conservando suas características: a noite esconde o dia.

                O projeto de lei número 2630 de Alessandro Vieira (Cidania/ SE) conseguiu a notoriedade de fazer um eufemismo que esconde uma antítese, também chamada de Lei das Fake News, essa PL tem o objetivo de criar a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na internet. Esse nome acaba sendo o eufemismo para lei da censura, afinal, a proposta da lei é criar regulamentos, sobretudo para as redes sociais, que deverão fazer relatórios trimestrais e ter uma autorregulação regulada, existindo sanções como multa (10% sobre o faturamento da empresa no país); se entendermos censura como restrição à circulação de idéias, temos exatamente o que a PL propõe, além de controle sobre cadastro em massa de grupos ideológicos, surge essa antítese de uma liberdade regulada, assim como autorregulação regulada, que soa como autonomia externa!!

                Consequentemente, a Lei de Liberdade, exige rastreamento de usuários e delimitação de alcance; a Lei da Responsabilidade sugere autorregulação regulada de forma externa; a Lei de Transparência exige relatórios trimestrais que serão analisados por um conselho. Não estaríamos assim próximos de uma censura chamada de Liberdade? Edmund Burke (BURKE:2016 p.124) ressalta esse fenômeno onde você pode mudar as palavras, entretanto as coisas de alguma forma permanecem [1].

                Outro autor que traz algo próxima a esse fenômeno, ou seja, um eufemismo que esconde em si uma antítese, é George Orwell (pseudônimo de Eric Arthur Blair) que em sua obra 1984 descreve um mundo dominado pelo coletivismo ( ou socialismo) que vive em uma ambigüidade das palavras (chamada de novilíngua), essa uma obra distópica é (futuro que não preenche as perspectivas de felicidade humana, tal qual na utopia) nessa obra surge um ministério da verdade, algo parecido com o que a lei 2.630/20 tenta impor, ou seja, um sistema burocrático, controlado pelo governo que decide o que é verdade e o que é mentira. As decisões vinham do partido: “O partido ordenava que o indivíduo rejeitasse as provas visuais e auditivas” ( ORWELL: 1998 p.79), afinal além de rotular o meio de comunicação como desinformativo, por meio de verificadores de fatos independentes autorizados por um conselho de transparência, haverá formas de se retirar a autonomia financeira: art. 26 e art.32.

                Segundo Aristóteles nada está no intelecto antes de ter passado pelos sentidos, conceito que entrará na filosofia de São Tomás de Aquino ( nihil est in intellectus quod non prius fuerit in sensu), esse axioma, ou  sentença válida, revela como a literatura antevê e nos vacinas de tentativas autoritárias, como a literatura nos protege de inimigos permanentes, como a literatura nos remete a máxima de Hugo Von Hofmannsthal de que nada está na realidade política de um país se não estiver primeiro na sua literatura, felizmente o que almejam nossos políticos atualmente, pode não estar em nossa literatura, mas está na literatura universal, porém fica a dica: procuram-se escritores para o futuro do Brasil.

(Ricardo Gomes Pereira)

Referências:

Brasil: senado: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8127630&ts=1593563767152&disposition=inline  acesso em 08/08/20

BURKE, Edmund: Reflections on Revolution in France. Campina, SP: Livre, 2016

ORWELL, George: 1984 trad. Wilson Veloso – 23.ed.  – São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1998.

 Foto: George Orwell



[1] “You might change the names. The things in some shape must remain.” BURKE, Edmund: Reflections on the revolution in France.  Campinas, SP: Livre, 2016.


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